terça-feira, 21 de abril de 2015

Demolidor - Netflix

O Demolidor não viu, mas talvez você irá ver alguns spoilers da série aqui.
   A série Marvel's Daredevil ou simplesmente Daredevil (eu prefiro chamar de Demolidor) estreou no dia dez de abril, e uma semana depois eu já tinha assistido seus treze episódios em maratona, como pede a tradição Netflix. Já resumo tudo dizendo que amei de paixão a adaptação que fizeram.
   Sou suspeito para falar, o Demolidor é o meu segundo super herói predileto, perdendo apenas para o Homem-Aranha, e os dois juntos formam minha dupla preferida de heróis. Acrescenta-se o Justiceiro e temos minha trindade favorita dos quadrinhos, que me desculpem Superman/Batman/Mulher-Maravilha e Capitão América/Homem de Ferro/Thor. Uma pena que pelo tom adulto da série, não teremos o Aranha fazendo uma participação, já que a Marvel insiste nessa ideia do Peter adolescente. Mas quem sabe teríamos Frank Castle em pelo menos um episódio?
   Voltando à série, gostaria de dar meus parabéns à Netflix mais uma vez. Depois de Marco Polo, Better call Saul e, especialmente, House of Cards, a Netflix confirmou que sabe fazer séries excelentes e chegou para ficar.

 

Abertura


   Tradando-se de uma série, a abertura diz muito a respeito do que será transmitido. Eu acho uma pena quando uma série tem uma abertura genérica, com cenas de alguns episódios, como algumas séries da Disney. Não, a abertura de uma série traz todo o espírito do que será transmitido.
   Existem aberturas que contam a história do personagem, como Arrow ou a narração da Amy Pond em Doctor Who; existem outras séries que trazem músicas temas inesquecíveis, como Um Maluco no Pedaço ou a contagem regressiva de Chaves; e existem aberturas que trazem uma pesada carga simbólica, como é o caso de House of Cards que comentarei em outro post.
   Parece ser um padrão da Netflix optar por esse último estilo, e na série Demolidor, vemos a construção da cidade com sangue, o que pode levar a três interpretações: 1). O sangue derramado pela cidade, tanto dos que se sacrificam por ela quanto dos que são sacrificados por ela; 2). A forma como o Matt vê o mundo; 3). A cidade é viva. Eu aposto mais na primeira.
   Outra coisa interessante é o que é modelado com esse sangue. Primeiro surge a deusa Cibele, símbolo da justiça, então mostram alguns prédios, uma caixa d'água, uma ponte e depois a cidade, depois uma igreja e um anjo chorando (alusão ao catolicismo do herói que iremos comentar adiante) e por fim o "demônio da Cozinha do Inferno", formando o nome do herói e da série.
   A música tema também é fantástica, pois combina tensão, aventura e melancolia. As notas graves dão um timbre triste, como uma Marcha Fúnebre, de Chopin; o ritmo acelerado ao fundo (como o da abertura do selo Marvel nos filmes) traz a ideia de aventura e a composição melódica em si é tensa. Não entendo tanto de música quanto eu gostaria, mas entendo de sentimentos, e essa música combina esses três sentimentos tal como o Demolidor.

Elenco


   Os atores foram muito bem escolhidos. Uma série requer um orçamento mais baixo do que os filmes e por isso não pode contratar figurões como Samuel Jackson ou Robert Downey Jr., mas muitas acabam contratando atores bem chinfrins. Não é o caso dessa série, pois ela montou um bom elenco.
   Eu já comprei a ideia da série quando vi que o inglês Charlie Cox interpretaria Matt Murdock, gostava desse ator desde Tristan Thorn no incrível Stardust: o mistério da estrela, mas passei a gostar dele mais ainda depois dele interpretar meu querido São Josemaría Escrivá de Balaguer em There Be Dragons. Ele tem uns trejeitos meio infantis (vulgo "cara de menino") que às vezes extrapolam ao ponto de me lembrar o Daniel Radcliffe, eterno Harry Potter, mas não vou julgar o talento dele pela cara de menino, seria como dizer que Matt Smith não pode ser o Doctor.
   Ouvi gente reclamando da Deborah Ann Woll como Karen Page, mas não concordo, talvez porque eu não gosto da Karen desde Demolidor: A Queda de Murdock e por isso não tenho tanto apreço pela personagem. Mas a Deborah é muito linda e atua bem e isso para mim é mais que o suficiente para interpretar Karen Page. Nada vai ser pior do que essa pseudo Enfermeira da Noite que fica nesse melodrama com o Matt, estou me referindo à Claire, que na verdade, deveria estar namorando o Luke Cage.
   Tirando o cabelinho ridículo (que odiei), Elden Henson faz um bom papel como Foggy Nelson, só podia ficar mais porquinho, se bem que o Matt já reclamou dele ter comido cebola e não tomar banho há dois dias, então isso mostra que os produtores sabem como é o Foggy. Outro fato bacana sobre ele é a amizade com Matt. Foggy e Nelson vivem um verdadeiro bromance, sendo a mais incrível dupla de "abacates".
   É impossível fazer qualquer adaptação de Demolidor sem haver a presença incrível de Ben Urich. O jornalista sempre esteve investigando o crime e trabalhando junto do Demolidor. A escolha do Vondie Curtis-Hall me chocou de início como o Idris Elba de Heimdall, mas a atuação dele é fantástica e a mudança étnica do repórter não fez a mínima diferença.
   E por último, devo falar da contraparte de Murdock, o Rei do Crime foi brilhantemente interpretado por Vincent D'Onofrio, que trabalhou muito bem o espírito do vilão, mas comento isso com mais detalhes depois.
E o Bob Gunton me fez gostar do Coruja, fala sério.

Caracterização


   Apenas para comentar alguns detalhes que não couberam no título anterior. Como o fato de Ben Urich trabalhar no Boletim. Achei uma pena não terem colocado o Ben Urich trabalhando no Clarim Diário, isso integraria o universo Marvel, mas sei que há um monte de burocracias e chatices envolvendo tudo. Além disso, seria necessário escolher um J. Jonah Jameson, e isso daria muito trabalho.
Porém, a ideia de que a imprensa está morrendo e que Urich pensa em ir para internet virar blogueiro (se bem que até blog está caído hoje em dia, a moda agora é vlog) é no mínimo interessante, como o Clarim Online, nas HQs atualmente.
   Como a história do Demolidor foi construída também foi bacana, eles mostraram apenas o básico e vão recorrer ao resto com flashbacks, como Arrow. Isso deixa a trama mais leve e faz até um certo mistério sobre a vida dele, como as duas vezes em que quase contaram sobre o paradeiro da mãe dele (ela é uma freira, sabia?), mas preferiram deixar para outra temporada. Por enquanto, focaram mais no seu pai, o Jack "Batalhador" Murdock.
   Se tratando da história do Demolidor, um capítulo em especial me fez exultar de alegrai ao ver que o personagem está tão fiel aos quadrinhos. Uma coisa (entre milhares) que o filme errou rude: Stick, o sensei de Matthew.
Um cara não pode simplesmente ganhar um sentido de radar e virar um ninja sem mais nem menos, ele precisa ser treinado para usar seus poderes ao seu favor. Stick está tão severo e sacana quanto eu costumava imaginar nos quadrinhos. Às vezes é difícil comprar a ideia de que um velho cego apareceu do nada e treinou um menino também cego para ser um ninja (sem piadinhas de "um cego guiando outro", certo?), mas os produtores não se importaram e trouxeram o velho para série. Realmente me empolgou muito vê-lo em live action.
   A construção do uniforme também foi legal, antes ele era só uma cara mascarado, que chegou a receber vários nomes: "mascarado", máscara negra", "homem de preto" (MIB?), "justiceiro" e outros. Mas a ideia de pedir ao Melvin Potter (vulgo Gladiador) para fazer seu uniforme e tirar a ideia do demônio de suas conversas com o padre foi uma sacada genial. Como seus bastões foram surgindo também foi legal, ele usava só os punhos, Stick lhe deu os bastões de madeira e ele acabou ajeitando um super bastão de metal (que sai faísca!) que encaixa e desencaixa, faltou só ele disparar cordas para ele se balançar por aí. Enfim, o uniforme não foi uma coisa jogada no nosso colo, eles trabalharam a ideia dele ao longo de toda série primeiro.
   Outra coisa interessante foi a censura +18. Isso deu espaço para um tom de violência que não caberia em outra mídia, o "Diabo-Atrevido" não é para criança. Uma pena que isso proíbe de que o Homem-Aranha faça um ponta. Droga, como queria vê-los juntos!
   Tudo isso contribuiu para que o Demolidor se tornasse na série o que ele é nos quadrinhos: o Batman da Marvel. Um exímio lutador com horror à armas que faz justiça na sua cidade natal sem matar, mas fazendo todos se borrarem de medo.

Vilões


   Fazer uma série, ao contrário de um filme, quer dizer que você vai trazer vários vilões. Pois uma série tem muito mais tempo de trabalhar a motivação dos vilões, ao contrário dos filmes, sobretudo os últimos, em que os vilões parecem não ter motivação alguma. Demolidor trabalhou bem isso, desde o primeiro episódio, vemos surgir do nada um homem cujo nome é proibido pronunciar: Wilson Fisk, o Rei do Crime.
   Os produtores dessa série com certeza leram Justiceiro MAX: Rei do Crime, pois trabalharam o vilão de forma semelhante. Fisk surge do nada, é conhecido por poucos e aos poucos vai ganhando espaço diante dos holofotes. O Rei do Crime (embora ele não seja chamado assim na série) reuni a máfia russa, japonesa e chinesa e derruba uma de cada vez, até que só reste ele no comando da Cozinha do Inferno. A corrupção que dá tanto poder a Fisk é bem demonstrada na série, e o grandão se mostra intocável (até o último episódio).
   Como Wilson Fisk foi trabalhado é algo interessante. Sua infância traumatizante que só termina de uma forma ainda mais traumatizante, após ele assassinar o próprio pai. Esse é um dos pontos que demonstram sua crueldade, ainda que seja de uma forma bem mais sútil do que em Justiceiro MAX: Rei do Crime. Wilson tem complexos, como o de encarar a parede branca, e isso motiva as ações do personagem. Sua amizade com Wesley (e depois a morte deste) e seu amor por Vanessa são boas formas de justificar sua brutalidade. Ele decapitou o chefe da máfia russa com a porta do carro só porque ele o envergonhou na frente de Vanessa. Esse é Wilson Fisk, um touro incontrolável diante de uma bandeira vermelha.
   Creio que mesmo com esse lado sentimental, o Rei do Crime está sendo bem retratado. Sua mãe no asilo foi uma boa sacada, e até Wesley foi uma ideia bacana, mas felizmente ele está morto e a mãe de Wilson não volta mais do asilo para onde foi. Wilson Fisk irá se tornar o monstro que é aos poucos. Sua forma de lutar também tem tudo a ver com o Fisk dos quadrinhos, a força bruta, as trombadas e a facilidade em levantar o oponente. Só faltou gritar "Não é banha, é músculo!".
   As vestes dele lembram bastante o original, mas não são como o terno branco dos quadrinhos. Porém foi uma escolha dos produtores, que já demonstraram isso quando Vanessa conta sobre um príncipe (príncipe... rei... sacaram?) que usava terno branco e lenço, ao que Wilson responde que aquilo era algo exagerado. A ideia do terno revestido também saiu dos quadrinhos.
   Embora Wilson Fisk seja o principal antagonista da série, outros vilões tem suas vezes. Alguns tem uma boa participação e outros só aparecem de relance. Esse último é o caso do Taurus, chefe da organização secreta chamada Zodíaco, cujo nome verdadeiro "Van Lunt" aparece na porta do escritório de Nelson e Murdock, por baixo do cartaz. Outros vilões que são referenciados são as indústrias Roxxon, da qual o nome aparece várias vezes, e o vilão Metalóide, cujo as pernas metálicas aparecem em um canto da oficina do Melvin Potter.
   Uma especulação que fiz foi entender que as cartas de baralho usadas por Ben Urich e a que aparece no kit de primeiro socorros de Jack Murdock faziam referência ao Mercenário, mas acho que exagerei, pois quero muito vê-lo na série.
O que ninguém pode negar é que a série está cheia de easter eggs, detalhes pequenos espalhados no fundo, como a Torre dos Vingadores que surge em um episódio. Mas o que eu queria mesmo era algo mais agressivo, como o Homem de Ferro passando voando rapidamente ou o Homem-Aranha balançando numa teia ao fundo. Isso iria ser divertido, além de ajudar na integração do universo. Não que isso não esteja sendo feito, pois a batalha de Nova York toda hora é comentada e até o Homem-Formiga já foi citado por Ben Urich numa conversa ao celular como "um maluco com chapéu de metal".
   Bom, como eu disse, existem outros vilões importantes além de Wilson Fisk, como a máfia russa (mais russa impossível) ou o Tentáculo, que embora não tenha seu nome dito, fica claro que se trata de um clã de ninjas vestidos de vermelho como o falecido Nabu.
   Coruja e Gladiador, embora não sejam propriamente vilões na série, ambos tomaram uns cacetes do Demolidor e são vilões nos quadrinhos. O primeiro é Leland Owlsley ("Owl-": Coruja), que equivale ao Pinguim do Batman. Na série ele não usou aquele cabelinho ridículo e nem comeu ratos, mas foi mais um contador do Rei do Crime, isso sem deixar de ser muito esperto. Wilson Fisk só foi pego por causa dele. A atuação do Gunton está fantástica, ele deu carisma ao vilão. Fiquei muito chateado com a morte dele. Já o segundo é Melvin Potter, o perturbado fabricante de uniformes que já vestiu uma fantasia azul e amarela (da cor de uma bandeira na oficina) para atacar Murdock com lâminas circulares. Durante a briga na oficina, ele chegou a arremessar uma dessas no Demolidor. Mais um easter egg!
   Para representar as mulheres entre os vilões, temos a sinistra Madame Gao. Qual é a da velha? Não lembro dela nos quadrinhos, e nem sei ao certo se ela existe neles. Na heroína que ela traficava, era carimbado o desenho da Serpente de Aço, símbolo de Kun Lun, cidade mística onde o Punho de Ferro aprendeu suas técnicas. Achei sinistro como ela derrubou o Demolidor com um só golpe. Agora, ela desapareceu, disse que ia para um lugar mais longe que a China, talvez seja Kun Lun. Não sei! O que sei é que ela me dá arrepios.

Catolicismo


   "(...) Além disso, ele aguenta uma dor tremenda sem reclamar". "A última parte é o catolicismo". Essa com certeza foi uma das partes mais hilárias da série.
   Sim, Matthew Michael "Matt" Murdock (porque todos sabemos que o Stan Lee adora uma aliteração) é católico apostólico romano. Como Noturno, dos X-Men, o catolicismo está na essência do personagem. É a noção de martírio que faz Matt se entregar pela Cozinha do Inferno. E a série explorou isso muito bem. Na primeira cena da série, assim como na primeira cena de Demolidor: Diabo da Guarda, vemos Matthew se confessando pelo que irá fazer. Eu brinquei que o Demolidor é o Batman da Marvel, mas Matt tem essa grande diferença do Cruzado Encapuzado: ele não sente prazer no que faz ou ao menos não sente prazer em saber que sente prazer. O senso moral do Demolidor, e não uma infância traumática, é o que faz lutar como juiz e júri. Essa mesma moral que o impede de assumir o terceiro cargo, o de carrasco.
   Como eu comentei num texto anterior, onde eu fazia uma resenha da revista Demolidor: fim dos dias, por mais que Matt tenha vontade, ele nunca irá matar o Rei do Crime (ou o Mercenário), pois o dia em que ele fizer isso, terá deixado de ser o que ele acredita ser. Ele terá perdido.
   Em suas conversas com seu padre (mais um parabéns por atuação), Matt conta que não acha certo o que faz, mas deve ser feito. Ele sofre com isso e se sente mau, isso que irá inspirá-lo a se vestir de demônio e sair por aí lutando. Um demônio que luta para salvar o Inferno (seu lar), essa é a maior ironia da história dos quadrinhos.


   Isso foi tudo que eu tinha para comentar sobre a série. Gostei mesmo do que foi feito e aguardo ansiosamente pela segunda temporada (que aliás já foi confirmada). Não sei que rumo a série irá tomar sem Ben Urich, mas espero que seja um rumo com a participação de outros heróis do universo Marvel, com o surgimento do Mercenário e com o Foggy Nelson de cabelo cortado.

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